quinta-feira, 16 de junho de 2011

Lobato!



Contar: primeiro uma diversão!


Contação de Histórias comemorando mais de 100 anos de Monteiro Lobato.
Lobato encanta com suas palavras inúmeros leitores entre crianças e adultos, até hoje muitos olhos se voltam para suas histórias e encontram recanto para sua imaginação!
Em homenagem a esse grande escritor, aqui temos uma história que encanta:

O Sargento Verde - Tia Anastácia Contando.

Era uma vez um homem muito rico, que tinha uma filha, linda, linda. Um dia apareceuum moço, também muito lindo, que quis casar com ela. Foi combinado o casamento, masNossa Senhora, que era madrinha de batismo da moça, apareceu-lhe num sonho e disse:
—Minha filha, toma cuidado, porque vais casar com o "cão". Depois do casamentoteu marido há de querer levar-te para a casa dele, e o que tens de fazer é o seguinte: irásmontada no cavalo mais magro que houver; quando chegares a um ponto do caminho,onde há uma encruzilhada,teumaridoquererátomar pela esquerda; tu tomaras peladireita e nesse momento lhe mostrarás um rosário. Ele então estoura e vai para o inferno.
Afinal chegou o dia do casamento e houve grandes festas, mas desde a noite do sonhoa moça andava numa grande tristeza. As palavras de Nossa Senhora não lhe saíam daimaginação.
Na hora da partida trouxeram-lhe um lindo cavalo. Ela recordou-se do sonho e não quismontar nele; pediu outro — o mais magro e feio que houvesse. O pai estranhou aquelaesquisitice, mas a moça tanto insistiu que ele teve de ceder — e lá se foi ela no cavalo maismagro e feio que havia.
Quando chegaram à encruzilhada, o "cão" quis que a moça tomasse pelo lado
esquerdo, dizendo ser esse o caminho que levava à sua casa.
—Vá o senhor na frente — respondeu a moça — eu sigo atrás. — E assim que ele
enveredou pela esquerda, ela tomou pela direita e sacudiu no ar o rosário.
Mal fez isso, ouviu-se um estouro e o ar se encheu de fedor de enxofre. É que o "'cão"
havia rebentado e ido para o inferno.
A moça continuou a galope por aquele caminho da direita, até que bem lá adiante tevea idéia de mudar de figura. Apeou, cortou os cabelos e vestiu-se de homem — uma roupaverde. E, verdinha assim, chegou a um reino onde se ofereceu para entrar no exército do reicomo sargento.
O rei gostou muito daquele sargento, a ponto de convidá-lo a passear com ele pelosjardins do palácio. É tantos passeios houve que a rainha ficou apaixonada pelo sargento elhe declarou o seu amor. Mas o sargento respondeu: "Senhora, eu jamais trairei meu rei."
A rainha, furiosa da vida, levantou um falso contra ele, dizendo ao marido o seguinte:
—Saiba Vossa Majestade que o Sargento Verde anda se gabando de que é capaz desubir a cavalo as escadarias do palácio, jogando para o ar três laranjas e aparando-as nomesmo copo.
Admirado daquilo, o rei mandou chamar o Sargento Verde e contou-lhe o caso. O
Sargento Verde respondeu:
—Saiba Vossa Majestade que eu não disse isso; mas como a rainha minha senhora
afirma que eu disse, estou pronto para subir a cavalo as escadarias e jogar as três laranjas.
Disse aquilo por dizer e, muito triste da vida, foi conversar com o seu cavalo magro, aoqual contou tudo. O cavalo aconselhou-a a que não se amofinasse e que no dia marcadotudo fizesse como a rainha queria.
No dia marcado o Sargento Verde se apresentou para a grande prova, e de fato subiu edesceu várias vezes as escadarias, montado em seu cavalo magro; e lançou para o ar astrês laranjas, que aparou direitinho no copo, sem errar uma só.
Teve os maiores aplausos de todos, menos da rainha, que mordeu os lábios de ódio.
Dias depois, num dos seus passeios pelos jardins do palácio, a rainha achou jeito denovamente lhe declarar amor — e pela segunda vez o sargento respondeu que jamais trairiao seu bom rei. A rainha, então, mais danada ainda, inventou que o Sargento Verde andavadizendo que era capaz de plantar uma bananeira à hora do almoço e ter bananas maduras àhora do jantar.
O rei mandou chamar o Sargento Verde e indagou dele se era verdade aquilo. Osargento respondeu que nada havia dito, mas como não queria desmentir a rainha, estavapronto para plantar a bananeira.
Disse isso e foi, muito triste, conversar com o cavalo magro, o qual lhe falou que
plantasse a bananeira e deixasse o resto por sua conta.
No outro dia, lá pela hora do almoço, o Sargento Verde foi e plantou uma muda debananeira no pátio do palácio, e a planta começou logo a crescer e a deitar cacho, de modoque quando o jantar foi posto na mesa já havia bananas maduras.
Todos abriram a boca de admiração, mas a rainha mordeu os lábios até verter sangue.Apesar disso, tentou mais uma vez o Sargento Verde, declarando-se apaixonada por ele, e osargento pela terceira vez respondeu que jamais enganaria o seu bom rei. A malvada rainhaentão foi dizer ao marido que o Sargento Verde andava se gabando de ser capaz de passeara cavalo sobre ovos, sem quebrar um só.
O rei mandou chamá-lo e perguntou se era verdade. O Sargento Verde respondeu quenão era, mas como não queria desmentir a rainha, estava pronto para andar a cavalo emcima dos ovos. E andou. Passeou montado no cavalo magro por cima de dúzias de ovossem quebrar um só.
A rainha inventou contra ele uma quarta perversidade, e foi que ele andava dizendo sercapaz de ir ao fundo do oceano em busca da irmã do rei, que fora aprisionada por um monstro.
O rei chamou o Sargento Verde e indagou se era verdade. Ele disse que não, mas queestava pronto para ir ao fundo do mar em busca da princesa encarcerada. Disse isso e foiconversar com o cavalo magro, ao qual contou tudo.
— Não se amofine — murmurou o cavalo — arranje uma garrafa de azeite, um saquinhode sal e um papel de alfinetes; depois monte em mim e vá para a praia; lá puxe a espada ecorte o mar em cruz: as águas se abrirão; entre pela abertura e vá até onde estiver a moça;agarre-a e ponha-a na garupa e toque para trás. Mas muito cuidado com o monstro queguarda a princesa; ele vai persegui-la, e o meio de evitar isso é derramar o saquinho de sale depois soltar os alfinetes. Durante a corrida a moça pronunciará três palavras. Tomemuito sentido nessas palavras.
O Sargento Verde prestou a maior atenção a tudo; arranjou o azeite, o sal, os alfinetese partiu para a praia do mar. Lá puxou a espada e cortou as águas em cruz. Imediatamenteas águas se abriram e ele entrou, e foi até onde estava a princesa encarcerada. Agarrou-a,botou-a à garupa e voltou correndo para a praia. Assim que saiu do mar, a moça disse:"Já!" Ele tomou nota da palavra e viu que o monstro vinha correndo atrás deles.
Lembrando-se da recomendação do cavalo, derramou o saquinho de sal.Imediatamente formou-se uma cerração que atrapalhou o monstro a ponto de fazê-lo parar,sem saber para onde dirigir-se. Enquanto isso, o moço continuava no galope, com a moça àgarupa. Logo adiante ela murmurou "Bela!" O Sargento Verde tomou nota da palavra e viuque o monstro havia rompido o nevoeiro e vinha vindo na disparada. Então soltou no ar osalfinetes. Imediatamente se formou uma cerradíssima floresta de espinheiros, que omonstro não pôde atravessar.
Logo depois a princesa, avistando o palácio, murmurou "Tudo!" — e o Sargento Verdetomou nota. Chegaram, houve grandes festas e a rainha ficou ainda mais apaixonada peloSargento Verde.
Mas a princesa trazida do fundo do mar não falava. Além das três palavras ditasdurante a viagem não pronunciou nem mais uma só. Todos se convenceram de que eramuda — e a rainha se aproveitou do fato para lançar outra falsidade contra o Sargento
Verde. "Ele anda dizendo — cochichou ao ouvido do rei — que é capaz de fazer a princesa
muda falar."
O rei indagou do Sargento Verde se era verdade e ele respondeu como das outras
vezes; depois foi perguntar ao cavalo o que devia fazer.
— Não tenha medo de nada — respondeu o cavalo. — Na hora do almoço, dê com umacorda na princesa até que ela conte qual foi a primeira palavra que pronunciou logo ao sairdo mar; e na hora do jantar dê-lhe outra sova até que ela conte qual foi a segunda palavra; ena hora da ceia, outra sova até que diga a terceira palavra. Faça isso que a princesa ficaráfalando.
O Sargento Verde assim fez. Na hora do almoço passou mão numa corda e gritou:"Conte, moça, qual foi a palavra que me disse logo que saímos do mar!" E como ela seconservasse de boca fechada, êle, lepte! lepte! e tanto deu que ela falou: "Já!" "E que querdizer isso?" Com mais algumas lambadas a moça respondeu que queria dizer: "Já estoulivre de muitos trabalhos."
No jantar repetiu-se a cena, e tantas lambadas levou a princesa que repetiu a segundapalavra, "Bela!" e explicou que aquilo queria dizer: "Somos duas donzelas, eu e o SargentoVerde, cujo verdadeiro nome é Lucinda."
Na ceia, a corda fez que a moça repetisse a terceira palavra, "Tudo!" isto é, que se
Lucinda fosse homem há muito tempo que a rainha já teria fugido com ele.
Esses acontecimentos assombraram menos ao rei e à corte do que verem Lucindaaparecer vestida de mulher, com o seu cavalo magro virado num lindo príncipe, que logo secasou com a princesa trazida do fundo do mar. O rei não perdoou a traição da rainha.Mandou que a soltassem pelos campos amarrada a dois burros bravos, e casou-se com aboa Lucinda, no meio de grandes festas. E acabou-se a história.